UM DIÁLOGO TEOLÓGICO COM O CHAVES SOBRE A CRIAÇÃO

Petronio Junior
5 min readJul 12, 2021

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Como a maioria das crianças da minha geração eu sempre gostei de assistir o Chaves. Um seriado latino-americano que ficou no ar por muitas décadas com suas piadas ingênuas, repetitivas e, ainda assim, engraçadas. Embora o texto que proponho tem a ver com a temática criacionista, eu poderia também falar mais amplamente sobre o pecado e a necessidade de redenção se nos lembrarmos do ciclo sem fim de confusão na Vila do Chaves; do menino órfão, da menina chorona, do cobrador de alugueis que era sempre recebido com pancadas, da mãe carinhosa que agredia o vizinho em nome do amor pelo filho que causava contendas na vizinhança e inveja nas outras crianças que não tinham os mesmos privilégios que ele. Aliás, ele não era tão privilegiado assim, uma vez que seu pai era falecido. Então, além do Chaves nos mostrar de maneira engraçada a depravação total, hoje me dei conta de uma brecha para pensarmos no Deus Criador como o artista, referencial e legislador da criação, a partir de um único episódio.
O episódio que me refiro acontece na sala de aula com o professor Girafales. Um ambiente comum. A tarefa do dia é educação artística. Os alunos, todos, fazem desenhos e apresentam ao professor. Naquele momento ele se depara com um desenho que na ótica dele era inexplicável, talvez, abstrato e feio, porém, o autor da obra (Chaves) disse: “Isto é uma xolonfompila”, e ainda, “não é idêntica?” O professor, os alunos e até nós, telespectadores, riamos e achávamos engraçado aquela ‘coisa estranha’ ser ‘alguma coisa’ que, ainda por cima, era feita com critério e preocupação estética. E esse é o ponto.
Só o Chaves sabia o que era uma xolonfompila e o quanto aquele desenho dele estava parecido com o que estava na sua mente criativa. Só ele, por ser o criador e artista, daquela obra de arte, tinha a autoridade de avaliar e declarar se estava bom ou não o seu trabalho. Ainda que o professor estivesse na condição de avaliador da obra alheia, por desconhecer a xolonfompila ou nunca ter visto uma, ele achava-se no direito de dizer se estava bom ou não o desenho. Mas ele não pôde fazer isso. A xolonfompila não existe na mente dele e sim na mente do seu aluno Chaves.

Essa experiência nos deixa evidente que somente Deus, por ser o criador, pode ser o referencial de toda a criação e o justo legislador que tem condições de dizer se tudo segue os padrões por ele estabelecido. A obra feita é a materialização da sua idéia. Por isso, não há outra pessoa — criatura, no caso — capaz de avaliar e dizer se é bom ou ruim aquilo que, antes, começa como um plano do criador. Criador este que além de criar a criatura, determina como ela será e como funcionará, e assim, assumir o formato de ser o que é.
Não há verdadeira humanidade sem considerar o criador da humanidade. Só ele pode dizer como ela funciona, o porque e para que a criou. Só ele pode atestar se está bom ou não. Então, um ser humano, destituído do criador que não assume o seu lugar de criatura que tem um criador referencial, até pode ser um humano ou se parecer com um, seja biologicamente ou mesmo esteticamente. Mas em sua integralidade fica difícil perceber com o que realmente ele se parece, porque somente o criador é que pode dizer: “está idêntica”. “Idêntica ao que pensei, idêntica ao que vi antes de colocar no papel”.

Deus criou tudo com propósito, beleza e virtudes. E, mesmo que o pecado influencie diretamente essa criação, ela ainda tem propósito, beleza e virtudes, ofuscados pelo pecado mas tem. E quem diz isso é o autor da obra. Deus, somente Deus pode restaurar a obra mesmo que esteja suja e diferente daquilo que ele pensou. Porque só ele tem o modelo na sua mente e sabe exatamente como é a obra que ele criou. Não é como avaliamos ou interpretamos, que o ser humano é definido, mas como Deus diz que ele é.
A criação não exibe a si mesma. A criação fala mais do seu criador do que qualquer outra coisa. Ela é emanação e matéria da mente do autor.
Depois dele outras pessoas podem tentar assumir o posto de inventor, criador, projetista, e ainda assim falhar se não seguir a risca os critérios e padrões do primeiro autor. Vai ser, então, uma cópia mal feita, porque usou critérios e padrões fora dos moldes do criador original.
Quando falo de forma ampla dos critérios e padrões da criação, não estou falando só de estética, mas de propósito e funcionalidade da criatura.
Eu ri da xolonfompila, achei estranho, o professor também, você provavelmente, porque essa é a proposta do seriado. E é só isso que pecadores podem fazer na ignorância diante da obra do criador: zombar, ignorar e desvalorizar. Se o criador não se revelar como criador e explicar o molde e finalidade da criação, não saberemos exatamente como é a exata expressão de toda sua obra. E nesse ponto, Chaves se mostra limitado e imperfeito. Ele não tem um plano para a xolonfompila, e, se tem, pelo menos, não revelou ele para os seus colegas ou o professor. No entanto, o criador dos céus e da terra. Não só criou e se apresentou para a sua criação, como também nos revelou claramente seu propósito para ela. Nos presenteando graciosamente com o privilégio de ter acesso ao plano exibido, não como uma idéia subjetiva, mas objetiva e acessível em Jesus Cristo, o resplendor da glória do criador. Ele é a representação exata do ser do criador. Ele é o que estava antes de tudo, porque é o primogênito de toda criação. Não porque é criatura também, mas porque ele é a perfeita imagem que está na mente de Deus. Jesus é o autor assumindo a forma de criatura para explicar e redirecionar nossa humanidade. Ele nos salva. Ele nos livra do ciclo sem fim do pecado, nos tira da vizinhança da impiedade e nos torna criaturas que explicam visivelmente e assim resplandecem a glória do criador.

Você é obra de Deus criador, com propósito e funcionalidade. Ainda que os rótulos sociais e qualquer outro adjetivo tente te definir, só Deus pode realmente te definir e legislar sobre sua identidade. Você não é uma xolonfompila, você é imagem e semelhança de Deus; pensado e criado por amor, pela Palavra do seu poder para a alegria dele. Mesmo que o pecado nos faça seres estranhos aos olhos de Deus em Jesus Cristo, a restauração da obra, somos acolhidos como filhos igualmente amados em quem Deus tem prazer.

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Petronio Junior

Marido de Tuanny e pai do Ben. Pastor na Igreja Presbiteriana do Brasil e corinthiano. Tudo isso pela graça de Deus