Como meu nariz me lembrou da obra de Cristo.

Petronio Junior
6 min readJan 15, 2022

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Lições que aprendi enquanto passo pelo pós-operatório de uma cirurgia de desvio de septo (septoplastia).

Nunca tive um nariz que funcionasse em perfeito estado. Descobri isso na minha adolescência, ao fazer um exame e descobrir que minhas crises de rinite e sinusite (com dores de cabeça freqüentes) eram por causa de um desvio de septo nasal. A partir dessa descoberta eu sempre me dei conta de que eu não senti ou experimentava, olfativamente, o mundo como se não tivesse esse pequeno problema.

Os anos se passaram, as dores ficavam mais freqüentes, analgésicos eram quase vício e imprescindível. Era comum ter as dores na cabeça (pelo menos 1 vez na semana), sempre acordar com o nariz entupido, mas queria saber como realmente era ter um nariz de verdade. Foi quando iniciei o processo médico de ir atrás da cirurgia que me livraria de uma vez por todas desse problema. 1 ano na jornada dos exames, consultas e retornos médicos. Uma espera ansiosa.

Enfim, chegou o dia da operação. Nunca havia feito nenhum tipo de cirurgia. Nunca fui alguém com problemas graves de saúde ou acidentes (e glória a Deus por isso). Eu não vi o processo cirúrgico acontecer, estava dormindo por efeito da anestesia geral. Era um morto-vivo, mas os médicos estavam empenhados em me presentear com a dignidade de respirar o ar de Deus. Horas após o procedimento acordei e ali estava eu, num centro cirúrgico de um hospital, com um curativo no nariz, um pouco tonto, mas dizendo “obrigado, Senhor. Parece que deu tudo certo. Estou bem, estou vivo”.

Estou escrevendo isso há poucos dias após a cirurgia, ainda estou em fase de recuperação do pós-operatório. As seqüelas da cirurgia ainda não me fazem experimentar o verdadeiro benefício de ter sido operado na minha deficiência. Cresce a expectativa do dia em que finalmente vou conseguir respirar com um nariz de verdade. Aquele nariz que eu conheci a vida inteira acabou — ele continua aqui, mas já não é mais o mesmo — Ele foi restaurado, é o mesmo nariz só que novo.

Mas enquanto espero a recuperação total do pós-operatório tenho que lavar de 2 em 2 horas, 4 medicamentos, alguns cuidados que são bem chatos. Eu estou lidando diretamente com o problema, estou engajado e intencionado em extirpar de uma vez por todas esse mal do meu corpo.

Estou escrevendo isso não apenas como um relato da minha experiência com o desvio de septo e a septoplastia. Estou escrevendo isso porque estou aprendendo de novo através dessa experiência sobre criação, queda, redenção e consumação. Nós temos um corpo e um mundo que foi criado por Deus em perfeito estado. Muito bom segundo os critérios do Deus santo. Este mundo, porém, foi afetado pelo pecado que transformou o “tudo muito bom” de Deus em não tão bom assim. Como o meu nariz era. Um nariz, sim, mas, não um nariz de verdade. Que experimenta o mundo do jeito que deve ser experimentado. É um nariz que traz dores por causa do seu funcionamento irregular com o padrão muito bom de Deus. Não tem a ver com estética, tem a ver com a capacidade do nariz, no meu caso, ser aquilo que ele realmente precisa ser enquanto nariz que é.

Como já nasci em meio a essa realidade corrompida, eu tive que descobrir que o meu nariz não era o nariz “muito bom”. Ele precisava ser redimido. Eu tive que ouvir essa boa nova de um médico. Ouvir que era possível resolver o problema, de que havia um método eficaz para o meu caso. E é exatamente neste ponto que quero me atentar ao escrever esse texto.

O evangelho é uma boa notícia de Deus pra nós. O médico dos médicos está totalmente empenhado no plano de nos restaurar ao “muito bom”, como era no início, antes dos defeitos do pecado afetarem nosso corpo e mundo. Há um método perfeito e eficaz de Deus que resolve nossa experiência com o mundo envolvido no pecado. Jesus Cristo é aquele que veio para resgatar nossa vida e instaurar novamente o equilíbrio saudável na relação com o nosso corpo, com o mundo e principalmente com Deus. Em Cristo é possível, então, experimentar o mundo e a vida como ela realmente é. Mas calma, há um processo doloroso entre o início dessa restauração e a experiência da conclusão desse processo.

É só por isso que estou conseguindo escrever agora. Porque ainda não sei exatamente como é ter o meu nariz livre, mas o médico já fez a cirurgia e eu estou cuidando com a manutenção necessária para finalmente daqui alguns dias usufruir de uma nova experiência olfativa. É o “já” e o “ainda não” que os teólogos tanto falam em escatologia. Já temos a salvação em Cristo Jesus através do que ele operou em nós quando morreu em nosso lugar para nos redimir. Porém, ainda não desfrutamos plenamente dessa salvação já garantida, nos méritos de Jesus, porque estamos no pós-operatório, aguardando o grande dia em que definitivamente poderemos experimentar uma vida toda restaurada, um mundo todo renovado.

A gente precisa se dar conta que essa vida sem a intervenção de Deus é insuficiente. É vazia de sentido e aceitar passivelmente a vida em conformidade com a deformidade do pecado não é só um insulto ao Deus que tem toda beleza, verdade e dádivas para nós, mas, também é uma vida que não se assemelha àquela verdadeira vida criada por Deus.

Nossas experiências diárias, todas, precisam encontrar significado na grande história de Deus. Nossa vida aqui neste mundo só é realidade por um plano de Deus. Mesmo com um nariz imperfeito eu fui amado antes da fundação do mundo. Mesmo com toda a minha pecaminosidade entranhada na minha humanidade, Deus se esforçou para realizar em mim aquele penoso trabalho que lhe dará frutos que alegram tanto a ele quanto a mim porque o final é este. Realização. Não uma realização unilateral, e, sim, uma realização perfeita, plena, integral. Todas as coisas tanto as visíveis e as invisíveis são reunidas e encaixadas como uma perfeita engrenagem neste plano que Deus preparou para realizar por intermédio de Jesus. Aquele que sofre nossas enfermidades, mazelas, choro, frio, dores, da forma mais absurda e aguda possível para que no final desfrutemos deliciosamente da vida sem os problemas que o pecado nos trouxe.

Se posso acreditar que no final deste processo pós-operatório meu nariz renovado me permitirá uma experiência com o mundo da qual eu nunca experimentei. Eu deveria muito mais acreditar naquilo que Cristo Jesus prometeu aos que nele se refugiam. Devo acreditar que no final de todos os tempos não haverá mais choro, nem lágrimas, nenhum tipo de sofrimento comum aqui neste mundo. Tudo isso por que já posso sentir no meu corpo esse processo de transição. Em Cristo somos novas criaturas, filhos da cidade celestial que descerá dos céus na consumação dos séculos para enfim fazer a habitação próspera e pacífica de Deus Pai com seus filhos. As coisas velhas se passaram e eis que tudo se faz novo. O primeiro céu passará, toda a Terra passará, porém, a única certeza que temos é que esta história terminará exatamente do jeito que começou, com a Palavra de Deus que jamais passou permanecendo eternamente como sempre foi.

Mas ainda penso: será que realmente no final desse processo todo eu não sofrerei mais com as mesmas crises de sempre? Bom, se este problema não resolver aqui neste mundo agora tenho a certeza em Cristo Jesus de que no mundo novo que está sendo preparado para nós eu realmente não vou ter que lidar com essa preocupação. Então, em Cristo, encontro consolo, alegria e rumo pra minha vida aqui agora. Mesmo tendo que lavar o nariz de 2 em 2 horas, com gaze, soro, anti-inflamatório e etc., me lembro da razão pelo qual estou passando por isso. Lembre-se hoje também de que os sofrimentos do tempo presente não se comparam a glória que nos está preparada no porvir.

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Petronio Junior

Marido de Tuanny e pai do Ben. Pastor na Igreja Presbiteriana do Brasil e corinthiano. Tudo isso pela graça de Deus